quinta-feira, 27 de março de 2014

Sobre a “falta de esforço” das pessoas pobres

Estudando na USP e trabalhando em minha área eu tive a oportunidade de ter amizade com pessoas de uma classe com a qual eu não tinha tido real contato antes. Não são pessoas ricas, mas são pessoas de classe média que tiveram durante sua juventude uma condição financeira muito melhor que a minha. Eu não sou nenhuma coitada, mas sempre estive bem longe disso.
E eu gosto muito dessas pessoas que conheci, mas tem uma idéia que elas costumam propagar - e que mesmo pessoas que vieram de mais baixo e, ao chegar a algum patamar razoável, propagam - que me incomoda profundamente: “As pessoas pobres são pobres porque elas não se esforçam o suficiente!”
Sim, é verdade que se você se esforçar o suficiente você é capaz de tirar um diploma e ter uma condição de vida muito melhor. Mas alguma dessas pessoas que teve a escola paga, viagens de intercâmbio, cursos de inglês, etc, tem alguma idéia do quanto é “suficiente” quando você mora na periferia em uma casa ruim, longe, estuda na pior escola e tem uma família disfuncional? O suficiente pra você era estudar algumas horas por dia no tempo que você tinha livre entre ir pra escola e ir pro shopping com seus amigos. Pra essas pessoas é arrumar um tempo entre trabalhar, pegar duas horas de ônibus pra ir e duas pra voltar do trabalho, lidar com os problemas familiares, que se exacerbam com a falta de espaço e dinheiro, e ir pra escola - sim, porque na escola mesmo você não vai aprender nada! Acredite na palavra de alguém que não teve que trabalhar durante o ensino fundamental ou médio, mas teve que estudar em escola pública mais de 70% da vida e, em alguns casos, nas piores escolas públicas: se você quer aprender o suficiente você tem que estudar sozinho!
Então, sim, existe uma chance. Mas você, que teve uma vida confortável, não teve que se esforçar dessa forma. Por que é razoável você cobrar que alguém faça isso, desmerer essas pessoas que não fizeram e ainda dizer que elas merecem ter a vida que têm?! Será que você estaria onde está se tivesse que se esforçar tanto assim?!
E pras pessoas que chegaram lá, que saíram dessa situação e hoje tem uma vida melhor por terem se esforçado, eu digo o seguinte: sim, em termos individuais é possível fazer isso. Você fez! Mas e se todo mundo fizesse? Se todo mundo estudasse tanto quanto você e se esforçasse pra, digamos, passar em um vestibular: teria espaço pra todo mundo? E a resposta, nós todos sabemos, é: não! Então, essa teoria do esforço não vale pra mudar nossa sociedade como um todo. Se todas as pessoas pobres se esforçassem. elas não deixariam de ser pobres! Essa medida de esforço pode mudar a vida de uns poucos, mas se todos se esforçassem juntos, pra chegar lá você teria que se esforçar ainda mais e mais! Isso seria possível? Ou justo pra que seja razoável se disseminar essa teoria do esforço?!
Não estou querendo dizer que todas as pessoas pobres são coitadas, que merecem pena, que devemos relevar qualquer coisa que façam porque são pobres ou que não devemos esperar nada delas. O meu ponto aqui é que essa questão é bem mais complicada que essa idéia fácil e rasa. Nossa sociedade e a estrutura dela são bem mais complexas que isso. E pra existir alguma chance de mudança nós temos que tentar ter um entendimento mais profundo, bem pensado e sóbrio dela.

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